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03/02/2007

" AS CASTAS "

Se o dinheiro não dá felicidade, dai-o!
Numa passagem impressionante de Em Busca do Templo Perdido, Proust descreve a sala de jantar do Grand Hotel de Balbec " como um imenso e maravilhoso aquário diante de cuja parede de vidro a população laboriosa de Balbec, os pescadores e também as famílias de pequeno-burgueses, invisíveis na sombra, se esmagam contra a vidraça para se aperceberem, lentamente balanceada em turbilhões de ouro, da vida luxuosa dessas pessoas, tão extraordinária para os pobres como a dos peixes ou dos moluscos mais estranhos ( uma grande questão social, saber se a parede de vidro protegerá sempre o festim dos animais maravilhosos e se as gentes obscuras que olham ávidamente na noite não acabarão por as levar para os seus aquários e comê-las)".

Durante muito tempo as castas superiores das nossas sociedades encarnaram a aliança do saber viver, da beleza e das maneiras; não estavam somente libertas da necessidade como conduziam a espécie humana a um grau de refinamento e de extravagância jamais imaginado. Paralelamente a esta imagem impôs-se um outro lugar-comum: o da felicidade dos Grandes.
Expiando o crime de uma escandalosa fortuna, seriam simultâneamente infelizes e culpados: infelizes pela sua ociosidade, culpados de viver parasitando uma população que trabalha e sofre.
Confessemos que é um lugar-comum cómodo: permite aos despojados suportar a sua condição, sendo a dos seus amos infinitamente mais penosa. Inútil invejá-los ou destruí-los: eles já se encontram no inferno!
A nossa época pôs termo a esta fábula. Por um lado , os ricos não são infelizes - se o são não se prende com a sua conta bancária- e ainda menos arrependidos.
Como se encontra repartido por muito poucas mãos, o dinheiro parece encarnar ( qual deus) todas as maravilhas do mundo. A possibilidade aberta a cada um de enriquecer ou pelo menos conhecer o desafogo acelerou completamente e de uma
só vez o desejo e banalizou um universo que outrora parecia maravilhoso.

O rico é um pobre que foi bem sucedido sobretudo quando vemos tantos jovens
tornarem-se, graças às novas tecnologias, milionários aos 30 anos.

Eis o que eu aprendi
nesses vales
onde se afundam os poentes:
afinal, tudo são luzes
e a gente se acende é nos outros.
A vida é um fogo,
nós somos suas breves incandescências.
(Mia Couto)



1 comentário:

Gwendolyn Thompson disse...

Olá, Kim.

Na verdade fizestes uma colocação bem real e lúcida, porque não se pode desprezar a condição de necessidade do "ter" para podermos vivermos com boa qualidade. O dinheiro é necessário sim, na medida em que atende às necessidades materiais reais, mas não é a êle por si só quem determina quem é mais ou menos feliz, porque daí existe o perigo do apêgo, quando se inverte a necessidade de "ter" ao invés de "ser" para nos sentirmos felizes.

Beijos

Gwen